As coisas da vida
Depois de ter sido um dos setores mais afetados pela pandemia, o cinema segue na linha de frente, enfrentando uma das mais temíveis sequelas do pós-Covid: o perigo de nos recolhermos para dentro de nós mesmos, seja no plano político, seja no plano individual. Para o cinema, este perigo tem um nome: a “cultura do sofá”, embalada pelo fenômeno do “binge watching”, somadas às refeições via delivery e às redes sociais…
Ao cinema cabe uma grande responsabilidade: ajudar as pessoas a reencontrarem “o gosto dos outros” (famoso filme de Agnès Jaoui!), a deixarem de ver no outro apenas um possível transmissor do vírus; a não recusarem o mundo exterior por achá-lo demasiado tóxico… Enfim, a reencontrarem “As coisas da vida”, para citar o comovente clássico de Claude Sautet, estrelado por um casal de atores míticos (Romy Schneider e Michel Piccoli), que terá seus 50 anos celebrados pelo festival Varilux 2021.
Como o ator Michel Piccoli que, ao sofrer um acidente de carro, vê passar na sua mente o filme da sua vida e se pergunta o que deveria ter feito ou deixado de fazer, a pandemia nos fez compreender que o essencial está nas coisas mais simples: começando pela necessidade do contato humano.
Desde o seu nascimento, o cinema é um espaço fundamental para preservar a vida social, seja num bairro ou numa cidade. É uma experiência única a vivência proporcionada pela comunidade efêmera que se forma à nossa volta na sala escura de um cinema, onde compartilhamos uma mesma emoção. A França acerta quando defende com firmeza suas 5.500 salas de cinema, as quais recebem ajuda substancial dos municípios e do governo federal em um esforço para fazer com que nenhuma delas feche suas portas.
Recentemente a comunidade cinematográfica francesa se opôs à realização nos cinemas de um festival organizado pela Netflix – considerado como o “melhor” inimigo do sistema de apoio ao cinema francês e das salas de exibição. Há quem compare essa resistência àquela da pequena aldeia gaulesa de Asterix… Talvez para alguns seja uma causa perdida, mas acreditamos que assistir a filmes no cinema continua a ser uma das “coisas da vida” que valem a pena ser defendidas. Essa é uma das razões que motivam a equipe e os parceiros do Festival Varilux. Pensamos ser essencial que o primeiro contato com uma obra cinematográfica se dê no formato de uma grande tela. Como dizia Malraux, “a cabeça dos atores é maior do que a de vocês”. Ver um filme numa grande sala ou num smartphone, são experiências sensoriais e emocionais que não se comparam.
Nessas condições, é difícil não sentir uma grande tristeza ao descobrir os danos provocados pela Covid nos cinemas independentes por todo o Brasil: muitos deles permanecem fechados – alguns para sempre. Lamentável que as autoridades não deem maior atenção a esses espaços tão essenciais para a vida em sociedade.
Com esta nova edição, o Festival Varilux, espera – modestamente – ajudar os cinemas parceiros a reconquistarem seu público. Para isso, conseguimos montar uma magnífica seleção: temos orgulho de cada um dos vinte títulos escolhidos para 2021, todos consagrados pela crítica, pelo público, por festivais ou por prêmios como o César (Sete prêmios César para Adieu les cons!).
O público brasileiro poderá reencontrar os maiores atores do cinema francês, como Catherine Deneuve – incrivelmente comovente ao lado de Benoit Magimel em Enquanto vivo – Gérard Depardieu, Sophie Marceau, Pierre Niney, François Cluzet, Mathieu Amalric, André Dussolier… Todos em filmes dirigidos por cineastas consagrados, como François Ozon, Jacques Audiard, Laurent Cantet, Albert Dupontel, os irmãos Larrieu e Philippe Le Guay – sendo este último presente no Festival Varilux! Sem esquecer da nova geração de atores franceses, entre os quais o extraordinário Benjamin Voisin, que estrela a magnífica adaptação do romance de Balzac Ilusões perdidas, ou o sutil Sami Outalbali (conhecido por sua participação na série “Sex education”), que empresta seu brilho a Um conto de amor e de desejo. Estes dois atores, bastante jovens, que encarnam o futuro do cinema francês, virão até nós para se encontrar com o público brasileiro durante o festival.
Porém, mesmo estando voltado para o futuro, o festival não se esquece do passado glorioso do cinema francês e prestará homenagem a seu ídolo nacional, Jean-Paul Belmondo, com a projeção do Magnífico – filme que sempre foi muito apreciado pelo público brasileiro.
Por nos ter permitido fazer o festival “renascer”, os nossos agradecimentos ao Ministério do Turismo/Secretaria Especial de Cultura por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, à Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro e à Prefeitura do Rio de Janeiro por meio da Lei do ISS.
Obrigado a Essilor/Varilux, em especial ao seu presidente Sébastien Picot. Nossos agradecimentos à Embaixada da França e às Alianças Francesas, que, com entusiasmo, levam o festival a todas as grandes cidades brasileiras! Obrigado à Unifrance, Club Med, Air France, Fairmont, Ingresso.com, Tereos, Dispositiva e a todos os nossos outros parceiros.