Homenagem a Alain Delon no Festival Varilux

O SOL POR TESTEMUNHA, de René Clément (1960)
O filme que revelou Alain Delon!
Na época, Alain Delon ainda era iniciante – ou quase. Porém, ele ousou dizer « não » a René Clément quando o diretor de Brinquedo Proibido lhe pediu para interpretar o jovem milionário despreocupado e vítima na adaptação de « The Talented Mister Ripley », de Patricia Highsmith. Isso porque o ator preferia o papel de Tom Ripley, o “mau nascido” que quer seu lugar ao sol, mais próximo de sua personalidade e de sua história pessoal. Ele ganhou a causa e Clément, que filmou o futuro astro como um animal livre condenando-se a ser enjaulado, não se arrependeu.
Segundo Patricia Highsmith, a melhor adaptação de uma de suas obras Patricia Highsmith não viveu o suficiente para ver Matt Damon interpretar seu herói ambíguo, Tom Ripley, no filme que Anthony Minghella baseou em seu romance, “The Talented Mr. Ripley”, em 1998. Mas ela prontamente admitiu sua grande admiração pela adaptação feita em 1960 de René Clément, Full Sun, Blazing Sun ou Purple Noon em inglês, Plein Soleil para a versão original. Para a romancista, Alain Delon encarnou perfeitamente o elegante e perturbador usurpador, heroe do seu livro e o realizador de Brinquedo Proibido e Monsieur Ripois assinou a melhor produção de uma das suas obras, superando até Hitchcock e a sua versão de Pacto Sinistro (Stranger on a Train).
Entre os rótulos inadequados que marcaram a carreira de René Clément, está o de “French Hitchcock”, mestre do suspense e da estilização que Hollywood olhava com simpatia. Quando Martin Scorsese orquestrou a restauração e redescoberta de O Sol por Testemunha nos Estados Unidos em 1996, os críticos ficaram entusiasmados com o lado escuro e a ambiguidade de uma produção que Hitchcok não teria negado, destacando um gosto pela perversão que desafia o espectador a não ser comovido pelo belo Delon, “psicopata plácido”.
“Uma obra-prima de thriller psicológico, do tipo que vai te dar arrepios”, escreveu o Washington Post. Os americanos, porém, concordavam num ponto: lamentavam que René Clément não tivesse tido a coragem de acompanhar Patricia Highsmith até ao fim da sua ambivalência moral e que se permitisse inventar um epílogo à sua maneira.
O « nascimento » de Delon
Foi René Clément quem inventou Delon. O proprio ator o reconhece. A beleza que irradia a tela de O Sol por Testemunha, os olhos claros, a pele acetinada, a elegância casual, não tinham existência reconhecida antes deste filme. “As pessoas muitas vezes pensam que atuei em Rocco e seus irmãos antes de filmar O Sol por Testemunha. Falso ! Foi precisamente porque Visconti tinha visto O Sol por Testemunha que me escolheu para o papel de Rocco.”
Para Delon, que tinha apenas 25 anos na altura das filmagens, René Clément, com quem fez quatro filmes, é como um pai, um “mestre absoluto”, aquele que lhe ensinou tudo, antes de Melville, Visconti ou Losey. “Ele foi o maior cineastas e o maior diretor de atores que já conheci”, confidenciou Delon a Denitza Bancheva. Comparei-o ao Karajan, ele regia como um verdadeiro maestro, com todas as nuances de moderato, piano, presto… Ele adorava fazer-me mover num cenário. Ele me deixava entrar e dizia: “Vá para onde quiser, mova-se como quiser, sinta as coisas como quiser, mas quero que você ocupe o seu ambiente, que o preencha…”
Em O Sol por Testemunha, Delon se solta, movendo-se como um felino sob o céu italiano, no espaço confinado e instável do barco onde ocorre a tragédia. René Clément o inventou, mas o ator também fez a sua parte. Não sem orgulho, Delon diz que não foi chamado para o papel principal, mas que ele mesmo o pediu diante de “Monsieur” Clément, irritando os produtores. “Houve um silêncio”, diz Delon. E nesse silêncio ouvimos Bella, companheira do cineasta, dizer do outro lado da sala : “Rrrené querrrido, o menino tem rrrazão!” Conquistei o papel. Eu ia interpretar Ripley. Nunca na minha vida esquecerei isso.”
A cena da tempestade
Em 1960, René Clément era ao mesmo tempo admirado e criticado. Depois de La Bataille du Rail, premiado no primeiro Festival de Cinema de Cannes, e Brinquedo Proibido, premiado mas foi muito criticado pelos cineastas da Nouvelle Vague, que o rejeitava do lado dos « clássicos empoeirados ».
“René Clément deve estar cansado de ler sempre a mesma antífona sobre ele”, escreve Gilles Jacob. Técnico, sem alma, perfeito demais”. O cineasta finge zombar: “A verdadeira vanguarda é desconhecida, diz ele, nunca é a dos manifestos. » Para ele, um cineasta deve ser um “explorador” e não vê antinomia entre ele e seus jovens colegas da Nouvelle Vague.
Em O Sol por Testemunha, ele chama o roteirista de Chabrol, Paul Guegauff, e seu diretor de fotografia, Henri Decaë, que também é o de Os Incompreendidos, de Truffaut. Henri Decaë ficou impressionado com o rigor e a ousadia do cineasta que levou todos a bordo para cenas em mar aberto onde a improvisação prevaleu.
Na sequência que se seguiu ao assassinato de Philippe, o mar começo a ficar muito agitado. Clément decideu aproveitar: a toda velocidade, ele desceu do veleiro, pulou em um barco a remo com Henri Decaë e deixou Alain Delon se virar sozinho no leme! Ele o filmava de longe, lutando de verdade e com raiva contra os elementos. É assim que foi completada em poucos minutos uma cena maravilhosa de muita tensão, que deveria ter levado uma semana de filmagem !
Este texto foi extrato de um artigo de Laurent Rigoulet, Guillemette Odicino publicado em 19 de agosto de 2024 na revista francesa Télérama.