ACOSSADO
A BOUT DE SOUFFLE
De Jean-Luc Godard
Com Jean-Paul Belmondo, Jean Seberg e Daniel Boulanger.
1960 – Drama – 1h30
Distribuição no Brasil: Zeta Filmes
Classificação indicativa: 14 anos
Michel Poiccard, um criminoso obcecado por Humphrey Bogart, rouba um carro, mata um policial e vai para Paris, onde conhece Patricia Franchini, uma linda garota americana que vende jornais na Champs-Élysées. Poiccard tenta persuadi-la a fugir com ele para a Itália, sem lhe contar que é um foragido da justiça.
ACOSSADO: O FILME QUE SUBVERTEU TODAS AS CONVENÇÕES
Ao ser lançado, o filme não se parecia com nenhum outro realizado até então, rompendo com todos códigos consagrados da linguagem do cinema: rupturas na montagem; diálogos em grande parte improvisados ou escritos à última hora; digressões e citações; filmagens com luz natural que valorizavam o granulado da imagem; câmera apoiada no ombro; externas sem recurso à cenografia. Com este primeiro longa-metragem, Jean-Luc Godard abriu as portas para uma maior liberdade, apontando o caminho para um cinema sem tabus, decididamente rejuvenescido.
História policial tingida de melancolia, num tom ligeiramente insolente, Acossado é considerado um filme que inaugurou um estilo, que fundou uma corrente. Ao reinventar a maneira de filmar, consagrou-se como um manifesto na arte cinematográfica, tanto nos aspectos estético e técnico, como no plano econômico. A obra-prima da Nouvelle Vague foi filmada em Paris e Marselha em quatro semanas com pouquíssimo dinheiro. Porém, contrariando todas as expectativas, revelou-se um sucesso, gerando uma renda surpreendente, o que deu fôlego ao movimento que nascia naquele momento.
A NOUVELLE VAGUE, UM VENTO DE LIBERDADE
O movimento, batizado de Nouvelle Vague pela jornalista Françoise Giroud, teve início na França no fim da década de 1950. Seu objetivo –renovar uma forma de manifestação artística considerada então em declínio – foi alcançado, tendo conseguido influenciar o cinema tanto na Europa como na América.
A nova corrente se consolidou em torno de uma geração de cineastas que denunciavam o cinema feito na França naquele momento e o imobilismo de uma indústria cinematográfica incapaz de se adaptar e de refletir a efervescência intelectual e artística, assim como as profundas transformações sociais ocorridas desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Seus representantes acabaram por esboçar uma nova linguagem cinematográfica: pessoal, livre e verdadeira. Eles defendiam a adoção de métodos de produção mais despojados: cenas rodadas em ambientes externos, cenários naturais, equipes de filmagens reduzidas, improviso na interpretação, escolha de atores nada famosos ou mesmo inteiramente desconhecidos. Liberado das restrições habituais impostas à produção de filmes de grande orçamento, o cinema dessa nova geração dá margem à experimentação e à emergência de novos talentos. Entre estes incluem-se jovens atores e atrizes então inexperientes, como Jean-Claude Brialy, Bernadette Lafont, Anna Karina, Jean-Paul Belmondo, Gérard Blain e Jean-Pierre Léaud.
A Nouvelle Vague recorre a tramas pouco densas (como em Acossado) e – aos heróis – prefere os personagens próximos do cotidiano, quase triviais (como em Les bonnes femmes, de Claude Chabrol). Adota a desconstrução espacial (planos que não se conectam, como em Acossado) e temporal (elipses e limites difusos, como em Resnais). A nova tendência dá preferência aos planos mais longos, a diálogos extensos e a digressões de todo tipo. Trata-se de tomar liberdades em relação à eficácia narrativa do relato clássico. O momento é de despojamento, da opção pelo simples prazer de filmar.
Na realidade, os filmes da Nouvelle Vague situam sempre suas intrigas no presente imediato, privilegiam a esfera da vida privada, a proximidade geográfica, encerram suas ações num período muito restrito, pondo em cena geralmente personagens destituídos de passado, sem memória, sem projetos: são filmes que ignoram os heróis no sentido estrito da literatura popular, habitualmente adotados pelo cinema comercial.
JEAN-LUC GODARD E OS OUTROS CINEASTAS DO MOVIMENTO
Após uma carreira como crítico nas páginas da revista Cahiers du Cinéma e cinco curtas-metragens filmados ao longo dos anos 1950, Jean-Luc Godard lança Acossado, seu primeiro longa-metragem, agraciado com o Prêmio Jean Vigo, assim como o prêmio de Melhor Direção no Festival de Berlim em 1960.
Praticando um cinema autoral, Jean-Luc Godard foi roteirista e diretor da maior parte dos seus filmes, entre os quais Le Petit Soldat, Le Mépris (1963), Pierrot le Fou, Alphaville, une étrange aventure de Lemmy Caution (1965) ou ainda For Ever Mozart (1996).
Ao iniciar sua carreira no cinema, Jean-Luc Godard assume papéis mais ou menos importantes nos filmes de seus companheiros da Nouvelle Vague. Podemos vê-lo em Le Signe du lion, de Eric Rohmer (1959), Paris nous appartient, de Jacques Rivette (1960), e em Les Plus belles escroqueries du monde, de Claude Chabrol (1964). Ele também costuma atuar com certa regularidade nos seus próprios filmes.
Godard é, sem dúvida, o cineasta mais inovador e radical da Nouvelle Vague, pois rejeita completamente o cinema narrativo. Conseguiu também, ao longo da sua trajetória, conservar sua independência, ao optar por filmagens curtas e pequenos orçamentos.
Companheiros de Godard na revista Cahiers du Cinéma, François Truffaut e Claude Chabrol acabam também por fazer sua estreia no formato longa-metragem: o primeiro com Les Quatre cents coups (Os incompreendidos, 1959), o segundo com Le Beau Serge (1958). Estes jovens cineastas se insurgem contra um certo academicismo que então predomina no cinema francês. A reação a esse estado de coisas se transforma rapidamente num movimento coerente – a Nouvelle Vague – ao qual vêm se somar Jacques Rivette e Eric Rohmer. Esses cineastas são os primeiros egressos de uma formação cinéfila, sendo que a maior parte deles tinha colaborado como críticos na revista Cahiers du Cinéma.
ALÉM DA NOUVELLE VAGUE
A aventura econômica da Nouvelle Vague durou cerca de seis anos. O legado técnico por ela deixado acabará por se estender por um período maior, exercendo sua influência nos países do Leste Europeu, no Brasil, no Canadá, na Alemanha e no Japão. Em termos estéticos, a Nouvelle Vague se perpetua até os nossos dias, tanto por meio das carreiras de seus principais nomes, como de novos cineastas, como Desplechin, Bonitzer, Assayas, Honoré…)
No Brasil, filmes produzidos segundo os ideais do Cinema Novo se opuseram à tradição cinematográfica em vigor, dominada por chanchadas (musicais, muitas vezes cômicos e “baratos”), épicos de grande orçamento que imitavam o estilo de Hollywood e “cinema sério”. Em 1961, o Centro Popular da Cultura, organização associada à União Nacional dos Estudantes, lançou Cinco Vezes Favela, um filme composto de cinco episódios que Johnson e Stam afirmam ser “um dos primeiros” produtos do movimento do Cinema Novo.
SEGREDOS DE BASTIDORES
Acossado foi inspirado num fato real. Em 2 de dezembro de 1959, a comissão de censura proíbe a exibição do filme para menores de 18 anos. O motivo alegado: “Tudo no comportamento de Michel Poiccard, sua crescente influência sobre a jovem, o tipo de diálogo, desaconselha a projeção deste filme na presença de menores de idade”. O filme é lançado a 16 de março de 1960 em quatro salas de cinema voltadas para o grande público e obtém um imediato sucesso de bilheteria, apesar da imposição do limite de idade. A recomendação da censura só será suspensa em 1975!
Para tranquilizar os investidores, temerosos de que Godard não passasse de um jornalista brincando de ser cineasta, François Truffaut e Claude Chabrol – diretores já consagrados por Les 400 coups e Le Beau Serge – emprestaram seus nomes como garantia pelo filme. Eles se fizeram passar, respectivamente, como roteirista e conselheiro técnico de Acossado. Funções evidentemente fictícias, mas pelas quais receberam menção nos créditos do filme!
Como a autorização para a filmagem na avenida Champs-Elysées não foi concedida, todas as cenas em que Belmondo e Seberg são vistos subindo e descendo a mais bela avenida do mundo foram filmadas às escondidas: o cinegrafista Raoul Coutard trabalhou encolhido dentro de um compartimento em um triciclo. Enquanto este era empurrado por um assistente, o câmera – através de um buraco – filmava os atores.
As filmagens eram interrompidas ao sabor dos caprichos e humores de Jean-Luc Godard, que mostrava pouco caso em relação a regras e convenções. Certo dia, ele simplesmente abandonou o set de filmagem para pegar um avião para Roma, onde foi ao cinema para assistir a um filme de Roberto Rossellini. Em outra ocasião, fingiu estar doente a ponto de ser impossível levantar-se da cama. Contudo, ao passar por uma calçada, o produtor Georges de Beauregard deu com Godard confortavelmente instalado na mesa de um bistrô. Uma discussão teve início e, para separar os dois, que ameaçavam se atracar, foi preciso a intervenção dos repórteres da revista Paris-Match, sentados numa mesa próxima.
Desmentindo todas as previsões, o filme obteve enorme sucesso nas salas de cinema, com mais de 2 milhões de espectadores para um orçamento equivalente a 69 mil Euros, dos quais 1/5 era destinado ao cachê da atriz Jean Seberg. Com os lucros, o produtor comprou uma mansão.