O CLÁSSICO

Cyrano de Bergerac, de Jean-Paul Rappeneau – 30 anos do filme

 

UM SUCESSO SEM IGUAL

O filme é uma adaptação da peça de teatro Cyrano de Bergerac de Edmond Rostand, escritor sobre o qual o Festival Varilux apresenta o filme Edmond.  Feita pelo grande roteirista Jean-Claude Carrière e com o diretor Jean-Paul Rappeneau, a adaptação dessa obra-prima do teatro foi um verdadeiro desafio. O imenso Gérard Depardieu revela seu gênio inigualável, encarnando um Cyrano deslumbrante ao mesmo tempo com desenvoltura, sutileza e ternura. O filme tem um sucesso fulminante: 4.800.000 espectadores na França e 1.700.000 no estrangeiro. Ele ganha dez César em 1991 (entre eles, Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Ator), o Prêmio de Melhor Filme Estrangeiro no Globo de Ouro e é indicado ao Oscar.

 

DA PEÇA AO FILME

Em 1984, os direitos da peça de Cyrano de Bergerac caem no domínio público e Jean-Claude Rappeneau é chamado para dirigir um filme inspirado nela. Rappeneau declara ter hesitado. Em sua mente, Cyrano pertence ao passado, à sua infância. De fato, foi a primeira peça de teatro que ele viu aos 7 anos com sua mãe, que o levou à Comédie Française em Paris que ele conheceu na mesma ocasião. O orçamento necessário para a realização é alto demais e o projeto não encontra financiamento até que, em 1988, o executivo Jean-Luc Lagardère, gascão como Cyrano e motivado, dizem, pelo próprio Depardieu, aceita financiar o filme (o equivalente a 15 milhões de euros, uma quantia enorme para um filme francês nessa época).

Rappeneau e Carrière se dedicam à adaptação dessa peça complexa, no cruzamento entre a comédia heroica, a tragédia clássica e o romantismo. Eles começam indo rever a peça que é encenada no Mogador. Ao sair, após um silêncio pesado, finalmente Carrière diz :  “Vai dar trabalho”. Depois ele vai declarar : “Não podíamos nos contentar apenas com uma ilustração da peça. Queríamos dar a essa história que amávamos a dinâmica e a tensão de um filme. A verdadeira aposta, é que os personagens falam em verso”. E Rappeneau acrescenta: “Os versos não podiam ser martelados demais, mas não deviam sumir totalmente, para não se perder a musicalidade. Era preciso evitar o estatismo e dizer os versos no movimento. Foi Depardieu que soube fazer isso primeiro e serviu de modelo a todos os outros”.

O duo Carrière/Rappeneau diminuiu o texto original em alguns lugares, enriquecendo o jogo de cena e os locais da ação, acrescentando inúmeras cenas anexas, em geral mudas, que não estão na peça.

 

JEAN – PAUL RAPPENEAU

Começou sua carreira como assistente e roteirista de Louis Malle em Zazie no metrô em 1960 e Vida Privada em 1961. Em 1964, ele é co-roteirista de O Homem do Rio, de Philippe De Broca.

Após A Farsa do Amor e da Guerra com o qual tem grande sucesso de estima, os filmes seguintes encontram a adesão do público nos anos 1970 e 1980 : Aventuras de um Casal no Ano Dois, em 1971, com Jean-Paul Belmondo, Marlène Jobert e Laura Antonelli; O Selvagem, em 1975, com Yves Montand e Catherine Deneuve; Tout feu, tout flamme, em 1982, com Yves Montand e Isabelle Adjani passam de 2 milhões de espectadores cada um, na França. Após o imenso sucesso de Cyrano de Bergerac em 1990, Rappeneau decide levar às telas O Cavaleiro do Telhado, de Jean Giono, romance famoso e considerado difícil de adaptar, com Juliette Binoche. Em 2003 sai Viagem do Coração. O filme tem um roteiro original e um elenco prestigioso. Ele marca o reencontro de Jean-Paul Rappeneau, Gérard Depardieu e Isabelle Adjani. 12 anos depois, o diretor volta às telas com uma comédia dramática, Belas Famílias, que é, de certa forma, sua autobiografia imaginária. Para seu oitavo longa-metragem, Jean-Paul Rappeneau chama Gilles Lellouche, Mathieu Amalric, Guillaume de Tonquédec, Karin Viard, André Dussolier, Marine Vacth e Nicole Garcia.

 

EDMOND ROSTAND

Edmond Rostand nasce em abril de 1868 em Marselha. Com seu diploma escolar, o pai o dirige para a faculdade de Direito em Paris, pois  quer que ele seja um diplomata. Edmond faz sua licenciatura, e se inscreve no tribunal sem exercer a função, antes de decidir se dedicar à poesia.

Protegido de Sarah Bernhardt, ele obtém seus primeiros sucessos em 1894 com Les Romanesques, peça em verso apresentada na Comédie-Française e, em 1897 com a peça La Samaritaine, mas a posteridade vai se lembrar, sobretudo, do sucesso de Cyrano de Bergerac, que triunfa na estreia, em 1897, quando ele ainda só tem 29 anos. Em 1900, ele tem um novo sucesso com L’Aiglon. Durante muitos anos, trabalha de forma irregular na peça Chantecler, cuja estreia acontece em 7 de fevereiro de 1910. Após seu relativo insucesso de crítica, Rostand não encena outras novas peças. A partir de 1914, ele se envolve de forma intensa no apoio aos soldados franceses. Morre no dia 2 de dezembro de 1918, em Paris.

 

O NASCIMENTO IMPROVÁVEL DE CYRANO DE BERGERAC, A PEÇA MAIS POPULAR DO TEATRO FRANCÊS

Cyrano de Bergerac é uma das peças mais populares do teatro francês e a mais famosa do seu autor, Edmond Rostand. Livremente inspirada na vida e na obra do escritor libertino Savinien de Cyrano de Bergerac (1619-1655), ela é encenada pela primeira vez no dia 28 de dezembro de 1897, em Paris.

Rostand tem 30 anos. Segundo sua esposa, a poetisa Rosemonde Gérard, Rostand era fascinado há muito tempo pelo personagem histórico de Savinien de Cyrano de Bergerac, mas teve a ideia de fazer dele um personagem de teatro quando o associou a um episódio da sua própria vida em que, para ajudar um amigo a seduzir uma jovem esnobe, ele o ajuda a encontrar as frases capazes de ter o efeito desejado.

Ele apresenta as grandes linhas ao ator em voga Constant Coquelin que, entusiasmado, participa da criação da obra e ajuda a encontrar um patrocinador para alugar a sala da Porte-Saint-Martin; sua esposa, Rosemonde Gérard, também dá um apoio financeiro.

Edmond Rostand qualifica sua peça de comédia heroica, mas os analistas reconhecem nela inúmeras influências, a principal sendo o teatro romântico ou neorromântico. Da comédia heroica, a peça retoma o sentido do épico e da descrição de um herói cuja vida se organiza em torno do amor e da honra. Do romantismo, ela possui as características da mistura de gêneros e registros. Da tragédia clássica, a peça conserva sua divisão em cinco atos e um estilo que por vezes lembra Corneille, mas dele se distancia um pouco por sua recusa das regras clássicas : não há unidade de lugar, nem unidade de tempo, mas a unidade de ação é respeitada.

A peça é difícil de encenar: ela tem uns 50 personagens, é longa, o papel-título é particularmente imponente (mais de 1.600 versos em alexandrinos), os cenários são muito diferentes de um ato a outro e ela tem uma cena de batalha. Numa época em que o drama romântico desapareceu, o sucesso era pouco garantido, mas a peça é um triunfo e Rostand recebe a Legião de Honra alguns dias depois, em 1º de janeiro de 1898. A peça é encenada 400 vezes de dezembro de 1897 a março de 1899, e chega à milionésima apresentação em 1913. Só em 1898, a peça tem uma receita de 2.286.000 francos, um faturamento nunca atingido num teatro.

Seu sucesso nunca foi refutado na França  (onde é a peça mais encenada) nem no estrangeiro. Foi traduzida em 47 línguas e o personagem de Cyrano se tornou, na literatura francesa, um arquétipo humano como Hamlet ou Don Quixote.

 

O CONTEXTO  

A peça foi escrita entre 1896 e 1897. Politicamente, o contexto é mais de morosidade : a França ainda está sob o efeito da derrota de 1870 e, alguns anos antes, o caso Schnæbelé quase desencadeou uma guerra com o Império Alemão. Também foi o período do Caso Dreyfus, que destruiu famílias e sociedade francesas. Os discursos antissemitas explodem enquanto o governo quer proteger a reputação do exército. Inúmeros  “casos” mancham homens políticos, sobretudo o Escândalo do Panamá que arruína 85.000 pessoas. Há inúmeros analistas que ligam esse contexto ao entusiasmo do público, ávido por um ideal, pela peça Cyrano de Bergerac.